Um floco de poeira vacilante na rua segue, com uma velocidade constante, o vento que vem do sul. As várias superfícies que já esteve um dia, mudam conforme o clima, as famílias, as guerras e os acasos. Sua forma, de minúsculas faces, também não é definida e se transforma incansavelmente. Em uma dessas mudanças, ele pousa na beirada de um copo – permanece ali por 4 horas e 31 minutos até que um jarro de água empunhado por um homem de camisa branca despeja 347 ml de substância aquosa. A boca ferida pelo frio que atinge a cidade naquele inverno se aproxima de maneira gravitacional para a exata coordenada borda do copo que se encontra o floco de poeira.
A mão vestida por uma luva de lã azul-marinho derrama o resto d’água que restou no copo na pia de sua cozinha, e se estica para fechar a pequena fenda de janela que se encontra um pouco acima da torneira vazante. Durante a ação se recorda da dor que sente na articulação do braço direito. Em dias frios B. sente mais dor do que de costume. Lembra que seu remédio acabara – seu filho está na casa da mãe e dessa vez não poderá sair de casa para comprar o remédio do pai. V. nascera com 3,4 quilos, um bebê saudável, mas ultimamente sofre de constantes anemias. B. está preocupado, parece estar esquecido no mundo, há 3 dias que ninguém liga para ele; nem suas faltas no trabalho fazem o incomodo sino telefônico soar. Parece que sua tática de isolamento realmente funcionou – sonhara na noite anterior que, após um regado café da manha e do barulho costumeiro do jornal envolto por um saco de plástico lançado sem mira prévia na sacada de sua porta, estava sentado confortavelmente a frente de sua lareira de tijolos escuros e observa a notícia de seu funeral, o jornal tem folhas de grande dimensão que faz a manchete ter o triplo do tamanho usual. Aquilo já estava o afetando. Dispensara a faxineira. Y. vem todas as segundas e quartas para manter a casa com o mínimo de conforto, mas mesmo assim são raros os dias que a casa parece respirar um ar mais alegre e confortável. Talvez seja as cortinas vinho escuro. B. não gosta de abri-las e em vez de vedar o sol ela transforma a sala em uma constante fonte avermelhada, iluminando tudo com a embriaguez de um vinho barato.
V. observa o monte de jornais na frente da casa, um jarro se encontra quebrado e a flor não parece se incomodar com o chão gelado. O garoto toca a campainha. Ninguém responde. A ponta do dedo indicador que acabara de ser responsável pelo som agudo se encontra suja. V. se vira e começa a descer os três degraus que ligam a calçada à sacada de seu pai, acompanhando o movimento dos pés ele posiciona o mirrado dedo a sua frente, que seguindo o resto do movimento corporal, acaba por indicar o triste céu nublado. V. expira o pouco ar de seus pulmões contra seu dedo.
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